O profissional do Direito lida com bens jurídicos da máxima relevância – como é o caso da vida, da liberdade e da propriedade, entre outros direitos tutelados pela Constituição Federal e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Diante disso, a prática forense – nas distintas carreiras jurídicas – se mostra deveras complexa, exigindo dos profissionais uma sólida formação jurídica, humanística e cultural, dentre tantas habilidades, conhecimentos e competências indispensáveis à correta aplicação do Direito na solução dos conflitos sociais.
Apesar de ser uma ciência social, o Direito não se limita a um emaranhado de regras e princípios que bastam ser lidos para serem aplicados. É, antes, o resultado mais puro e sofisticado do processo civilizatório, cingido da arte e da literatura expressas em todas as suas formas.
A operacionalização do Direito, portanto, não é trivial. E, embora seja inegável a sua complexidade, o ensino jurídico brasileiro tem dado passos largos no sentido contrário à formação e preparação de tais profissionais.
Nesse contexto, é louvável o esforço dos juristas que nadam contra a maré e produzem relevantes trabalhos em prol da excelência do ensino jurídico e da prática forense. Dito isso, é uma honra ao portal jurídico Viver Direito entrevistar o professor e escritor Roberto Victor, cujas significativas contribuições ecoam no cenário jurídico nacional.
Roberto Victor é advogado, professor e escritor com diversas obras publicadas. É Presidente da Academia Cearense de Direito, Presidente de Honra da Academia Brasileira de Direito, Vice-Presidente do Colégio de Presidentes das Academias Jurídicas do Brasil, Mestre em Ciências da Cidade e Investigador de grau 5 no International Center of Economic Penal Studies (ICEPS – New York). Autor das seguintes obras:
- O Julgamento de Jesus Cristo sob a luz do Direito, São Paulo: Pillares, 2010.
- O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito, São Paulo: Pillares, 2012
- Questões Relevantes de Direito Penal e Processual Penal, São Paulo: Lex/Magister, 2012
- Manual de História do Direito, São Paulo: Pillares, 2016
- Voando com os Deuses da História, Fortaleza, EDAu, 2008
- Visitas ao Sótão de um Jurista, Escritor e Professor, Fortaleza, INESP, 2018
- O Direito na Literatura – uma releitura de obras sob a ótica jurídica (2020)
- Direito Constitucional Contemporâneo (2020)
Foi Conselheiro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/CE (2010-2012), Vice-Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/CE (2016-2018), Diretor da Escola Superior de Advocacia do Ceará (2015-2018); Juiz-Conciliador do Procon Assembleia – CE (2010), Assessor de Desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará (2010-2011), Assessor Jurídico Especial do Ministério Público do Ceará (2011-2015), Coordenador Adjunto da Assessoria Jurídica da Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (2015-2016), Advogado Parlamentar (2015-2017) e Secretário-Geral do Instituto dos Advogados do Ceará (2015-2018), Idealizador e Fundador da Academia Cearense de Letras Jurídicas.
Viver Direito – O Sr. é autor do livro “O Direito na Literatura – uma releitura de obras sob a ótica jurídica” (2020). O que o leitor pode esperar dessa obra? Quais são as contribuições da análise jurídica para a compreensão dos grandes clássicos nacionais e internacionais?
Prof. Roberto Victor – É uma obra que busca trazer ao leitor uma nova visão de clássicos mundiais e nacionais. O leitor se reporta dentro das obras literárias ao mundo do Direito e suas nuanças, bosquejando institutos jurídicos e leis. Penso que a literatura nos desafia cotidianamente a esta dialética com outras ciências. Quiçá um médico possa demonstrar os aspectos da medicina na obra de Machado de Assis, José de Alencar ou Shakespeare. Um jornalista encontrar vestígios de informação nas obras de Euclídes da Cunha, I. F. Stone e outros. Assim como Bruce Rockwood proclamou: “Direito e literatura são como pedra e aço sobre os gravetos de nossas dúvidas e incertezas num mundo moderno, ou pós-moderno, que muda rapidamente. Batendo-se a pedra da literatura contra o aço da lei, podemos fazer chamas que iluminarão o caminho para o futuro” e é através dessas facetas que procuro iluminar um novo contexto jurídico no qual todos possam acessar e aprender as informações jurídicas de forma fácil, didática e lúdica.
Viver Direito – O Sr. também é autor dos livros “O Julgamento de Jesus Cristo sob a luz do Direito” (2010), “O Julgamento de Sócrates sob a luz do Direito” (2012) e “Manual de História do Direito” (2016). Em que medida o olhar jurídico lhe trouxe uma nova percepção sobre fatos históricos e qual é a relevância da história do Direito na formação dos novos juristas?
Prof. Roberto Victor – Faz-se mister revisar alguns exames conjeturatórios feitos ao longo da História. O julgamento de Cristo infelizmente consta nas tristes páginas da História, assim como o de Sócrates. Os dois julgamentos gritam por justiça e inspiram os homens a zelar pela dignidade humana. Dizemos mais, quem infelizmente precisou desses dois capítulos amargos de injustiça, fomos nós, talvez para servir como demonstração de que não se deve condenar antes da sentença, muito menos aceitar julgamentos com base no calor da emoção e do clamor popular. A diferença básica consiste na realidade dos fatos ocorridos. Por exemplo, se pegarmos um julgamento proveniente de um romance, como o de Josef K., em “O Processo” de Franz Kafka e pegarmos o de Cristo e o de Sócrates, o arrepio diante dos ditames jurídicos e humanos é surreal. Os dois julgamentos (Sócrates e Cristo) foram nefastos e cruéis. O de Josef K., chega até mesmo a beirar o engraçado diante de tantas teratologias jurídicas. Hodiernamente, um julgamento sem o norteamento da bússola certeira do Direito é chamado de julgamento kafkiano, justamente em razão da pantomima que Franz Kafka registrou em sua obra. Quando estava escrevendo as duas obras, fazendo-a nascer, primeiro, em meu córtex cerebral, para só depois grafar na tela do computador, eu pensava, imediatamente, nos acadêmicos de Direito, que são jovens e ainda podem ser lapidados e alertados para os vitupérios jurídicos. Clamo com fervor para que os novos cientistas jurídicos, em desenvolvimento, ou já bacharéis, fiquem atentos ao Direito e não permitam que pessoas sejam julgadas ao arrepio das leis e da Carta Magna da nação.
Viver Direito – Em meados de 2009, artigo de vossa autoria, intitulado “O amanhã dos advogados”, refletia sobre os desafios da advocacia e relatava um cenário de “reprovação massacrante nos exames da OAB, mercado saturado e monopolizado pelos grandes caciques e uma significante parcela de neo-desempregados”. Mais de uma década depois, qual é a sua visão sobre o mercado da advocacia na atualidade? Em novo olhar para o futuro, quais habilidades e competências serão indispensáveis aos advogados nos próximos anos?
Prof. Roberto Victor – Assim como qualquer outra atividade liberal desenvolvida, a advocacia tem seus percalços e suas dificuldades. Cada vez aumenta mais o número de advogados e, em determinadas localidades, essa oferta é muito maior do que a demanda e, por isso, alguns advogados acabam enveredando para outras atividades. O ambiente está nublado, mas sempre o diferencial profissional impulsiona os pontos fora da curva, os advogados acima da média. Sempre assevero para meus alunos, o advogado tem que ter duas armas afiadas: a caneta e a voz. Um advogado que escreve bem e fala bem dificilmente não prospera na profissão. Sem olvidarmos jamais que o sol nasce para todos, por isso a advocacia, mesmo com seus desatinos, é uma profissão essencial para a harmonia social. Primeiro conselho que dou para o advogado moderno é de que ele tenha em mente que no mister da advocacia reside o espírito de Dom Quixote a atacar os moinhos que desacertam a sociedade, e que também se encontra entre as nossas atividades sermos a espada de Salomão a atacar as mazelas e o escudo de Davi para proteger os vulneráveis. Calamandrei dizia que: “Advogados são aqueles que não deixam o inocente sozinho com sua dor, ou o culpado sozinho com sua vergonha”. Advogado é vocação, é sacerdócio! Advogado é aquele profissional que Napoleão Bonaparte certa ocasião o perseguiu para lhe cortar a língua, pois o mesmo estava contra seu regime de governo. Advogado é o porta-voz da sociedade e o apóstolo da liberdade e dos direitos. A advocacia, com ética e amor, é Le plus bel état du monde, a mais bela profissão do mundo. Quem se identifica com essa missão, siga-a, pois o Brasil precisa de homens e mulheres com esse perfil. Numa visão pro futuro imagino que o Advogado terá que possuir conhecimentos multidisciplinares e, principalmente, conhecer e dominar a tecnologia. Não haverá espaços no futuro bem próximo para os que se autodenominam alfabytes.
Viver Direito – A advocacia é uma profissão complexa que exige, além do sólido conhecimento jurídico, um sem-número de competências e habilidades. Enquanto professor e advogado, qual é a sua avaliação sobre a formação dos estudantes de Direito para o exercício da advocacia? Noutras palavras, de modo geral, as faculdades estão sendo capazes de preparar futuros(as) advogados(as) para os desafios da profissão?
Prof. Roberto Victor – Minha posição nesse tema é intransigente, mesmo sendo eu cônscio de que o Jurista deve ser flexível e diplomata. Mas não tergiverso quando o assunto é educação jurídica. Temos que ter em consideração de que se o médico é importante por salvar vidas, o advogado lida com outro bem tão importante quanto: a liberdade. Portanto, não há como se quedar e emudecer diante do que assistimos no nosso País, a nação que tem mais cursos de Direito do que o mundo todo reunido. Não há como priorizar qualidade e atenção com o número exagerado de faculdades credenciadas a ensinar o Direito. O Direito, caros leitores, é uma arte, é um ofício, é uma necessidade fisiológica do Estado e da sociedade. Não pode haver malferimento da liturgia jurídica. Um aluno que cursa uma faculdade de Direito em qualidades reduzidas não poderá jamais ser um arauto em defesa da Lei e da sociedade. Não por culpa dele, mas por culpa da ganância financeira e econômica dos inúmeros grupos educacionais que se preocupam mais com quantidade de alunos do que com qualidade de ensino e preparação. Quando pertenci a Comissão de Ensino Jurídico da OAB-Ceará fizemos fiscalização e acabamos descobrindo cursos de Direito que eram ministrados e estruturados dentro de templos religiosos ou cinemas abandonados do interior e com aulas quinzenais ou aos fins de semana. Como um aluno que cumpre cronograma de quinze em quinze dias ou nos finais de semana pode se tornar um advogado ou um cientista jurídico que auxiliará no amortecimento dos desatinos sociais? Não é culpa dele. É culpa da licenciosidade exagerada. Desculpem meu desabafo.