Rubin Carter Hurricane

A história de Hurricane, um homem que as autoridades culparam por algo que ele nunca fez

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Por Ana Catarina Franco

Pugilista, negro e um ser humano com uma história repleta de episódios turbulentos desde a infância, Rubin Carter, conhecido como “Hurricane”, teve sua história contada em livros, filme e através da voz marcante de Bob Dylan. Nascido no dia 6 de maio de 1937 em Paterson, Nova Jersey, Rubin Carter era o quarto de sete irmãos. Aos 14 anos foi levado à justiça, acusado de assalto e roubo, mesmo tendo ele alegado que tentara proteger um amigo contra um pedófilo. Foi enviado para um reformatório. Três anos mais tarde fugiu do reformatório para ingressar no Exército. Sua fuga do reformatório resultou a uma condenação de nove meses, mesmo tendo servido na Alemanha Ocidental em 1956. Repleto de altos e baixos, voltou à prisão por causa de dois assaltos que havia cometido. [1]

 Em 1961, após sair da prisão, tornou-se pugilista profissional na categoria peso médio. Por conta dos nocautes bem finalizados, ganhou o apelido de “Hurricane” (Furacão). Conquistou 27 vitórias, 17 delas por nocaute, com 12 derrotas e um empate completando seu cartel [2]. Passou a ser destaque no Box e no ano de 1966 estava entre os melhores pesos médios. Derrotou o lendário Emile Griffith e Jimmy Ellis, depois campeão mundial dos pesados.

“If you’re black you might as well not show up on the street
‘Less you wanna draw the heat”

“Mas se você for negro, talvez seja melhor nem aparecer na rua”, cantou Bob Dylan. Em 17 de junho de 1966, Hurricane foi surpreendido pela polícia. Ele estava andando de carro com seus amigos e mal sabia que iria ser preso por um crime que sequer havia cometido e que ocorrera do outro lado da cidade. Naquela noite, no “Lafayette Bar & Grill”, três homens brancos foram alvejados por dois homens negros. Uma das vítimas, que havia conseguido sobreviver ao tiroteio, havia sido alvejada no rosto e com isso, perdeu a visão de um olho. Embora esse homem mal pudesse enxergar, ele disse às autoridades que conseguiria identificar os culpados. Ao ficar diante de Hurricane, expressamente disse:

 – Por que trouxeram ele aqui? Este não é o cara!

Infelizmente, o homem veio a óbito e duas outras testemunhas duvidosas, Arthur Dexter Bradley e Alfred Bello, confirmaram que Rubin Carter e John Artis (seu amigo), foram os autores do triplo assassinato. Há suspeita de perseguição racial, por parte das testemunhas supracitadas. O juiz desqualificou as testemunhas de Rubin, alegando que eram bêbados favelados. Não havia sequer prova da arma usada na noite do crime.

Bob Dylan acompanhava o caso desde a década de 60. Participou de manifestações contra a decisão judicial que condenava o pugilista. O depoimento de Hurricane comoveu Dylan, segundo informações da revista Far Out [3], Dylan foi ficando fascinado pela história do ex-atleta e, após ler a autobiografia de Hurricane, decidiu visitá-lo e passou o dia inteiro na prisão. Depois de conversar bastante, se viu convencido da inocência de Carter e estava de fato preocupado em tirá-lo da cadeia.

A atitude de Dylan lembra a ação de Cesare Beccaria, principal representante do iluminismo penal e da Escola Clássica do Direito Penal, que aos 26 anos publicou a obra “Dos delitos e das penas” (1794), resultado das suas visitas as prisões europeias. Na sua obra, Beccaria critica os métodos punitivos do estado, como a pena de morte, o uso de tortura como meio de obtenção de confissões, acusações secretas e prisões desumanas e despertando os leitores para a discussão quanto à falta de razoabilidade das punições aplicadas e os meios que as penas eram realizadas. [4]

  • Hurricane and Bob Dylan

O trabalho de Dylan não foi escrever um livro, mas sim, compor a canção “Hurricane”, em 1975, junto com Jacques Levy, grande nome do teatro Broadway e off-Broadway nos anos 70 e 80. Levy tinha interesse em transformar a história de Rubin Carter em um grande musical, mas Dylan achou que Levy poderia transformar tudo em um grande circo e desistiu da ideia, se concentrando na canção, que eternizou a história de um júri racista que sem provas condenou um homem apenas pela sua cor.

A versão original da música foi banida e Dylan foi obrigado pela gravadora a modificar algumas partes da letra. De acordo com a revista Rolling Stone, os advogados da gravadora temiam que a gravadora e o artista fossem processados pelas afirmações fortes que Dylan fez na versão original. [5]

No ano de 2019 estreou na Netflix um documentário chamado Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story by Martin Scorsese, que narra a turnê onde Dylan divulgou a música que compôs para ajudar Hurricane. Durante a entrevista com Carter, o ex-atleta confirma que houve uma conexão entre eles, “nós dois éramos artistas que queríamos agradar o público, eu com os ganchos de esquerda e Dylan como um trovador”, afirma Carter.

  • Condenação Hurricane Guilty
  • Carter Hurricane and Nelson Mandela

No documentário Dylan afirma que houve uma injustiça e que isso poderia acontecer com qualquer um. O cantor passou a pedir, durante a turnê, que seus fãs ajudassem a tirar Hurricane da prisão e que lutassem pela liberdade do ex-atleta, um homem inocente em um inferno.

“To see him obviously framed

Vê-lo obviamente em uma armação

Couldn’t help but make me feel ashamed to live in a land

Não pude evitar, me fez sentir vergonha de morar um lugar

Where justice is a game”

Onde a justiça é um jogo.

Para Carter a música sobre a sua história mandou uma mensagem duradoura sobre uma justiça errada, pois quando Dylan fez isso, a notícia se espalhou para todo o mundo. “Muitas pessoas que me ajudaram eram brancas, isso deve ter sido uma surpresa para as autoridades, porque as autoridades disseram que eu tinha cometido aquele crime por causa do meu ódio pelos brancos. Mas lá estavam aqueles brancos, vindo ajudar um pobre negro, que estava preso por algo que não tinha feito”; afirmar Carter.

Na prisão Estadual de Rahway, Hurricane viu sua carreira de boxeador ir se deteriorando. Foi condenado pelo homicídio de três pessoas. Era o favorito ao cinturão de pesos médios, aos 29 anos de idade, “ele poderia ter sido um campeão mundial, mas agora estava jogado em uma cela de prisão,” versos de Dylan. O cantor fez um concerto no Madison Square Garden de Nova York e arrecadou, em dezembro de 1975, a importância de $ 100.000 para a defesa de Carter. Em 1976, houve um novo julgamento, mas infelizmente Carter e Artis permaneceram presos.

 Carter deixou a prisão em 1985, 20 anos preso, quando o juiz federal, H. Lee Sarokin do Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito de Nova Jersey, anulou a segunda condenação. O juiz em questão considerou que a sentença era resultado de racismo, mas a detenção acabou com a carreira de Hurricane. Rubin Carter faleceu no dia 20 de abril de 2014, aos 76 anos de idade, em decorrência do câncer de próstata.

Referências:

  1.  Rubin was born in Clifton on May 6, 1937 and lived in Paterson during his pro career New Jersey Boxing Hall of Fame (em inglês)
  2. http://www.espn.com.br/noticia/404950_morre-rubin-hurricane-carter-boxeador-que-foi-tema-de-filme-e-musica-de-bob-dylan
  3. https://faroutmagazine.co.uk/the-story-behind-bob-dylan-song-hurricane/
  4. BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos Delitos e das penas. Trad. Flório de Angelis. 2. Reimpr. SP: EDIPRO, 1999.
  5. https://rollingstone.uol.com.br/noticia/ouca-versao-original-e-banida-de-hurricane-classico-do-bob-dylan/
Ana Catarina

Ana Catarina Franco é mestra em Artes, graduada em artes cênicas, pedagogia e atualmente cursando Direito.

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