Núbia Rodrigues

A cobrança de consulta médica de retorno é considerada prática abusiva?

Publicado por

Sim, é o entendimento de recente decisão publicada e divulgada no site do TJDFT. Na decisão, a 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal e Territórios manteve a sentença que condenou o Hospital das Clínicas e Pronto Socorro de Fraturas de Ceilândia a indenizar paciente pela cobrança de consulta médica de retorno. Os Julgadores consideraram a cobrança da consulta de retorno como abusiva e condenaram a Instituição de Saúde, em demanda registrada no Processo n.º 0700037-25.2021.8.07.0019. O Magistrado entendeu ser indevida a cobrança de consulta de retorno:

“A cobrança por uma nova consulta mesmo dentro do prazo de quinze dias da primeira consulta se mostra abusiva, haja vista que foi necessária para que o paciente fizesse a retirada do gesso a que estava acometido. Está comprovada, pois, a falha na prestação do serviço médico, assim como a ofensa direcionada ao consumidor diante de terceiros”. (Copiei trecho).

O artigo primeiro da Resolução CFM n.º 1.958/2010 define que a consulta médica compreende a anamnese, o exame físico e a elaboração de hipóteses ou conclusões diagnósticas, solicitações de exames complementares, quando necessários, e prescrição terapêutica como ato médico completo, podendo esse ato médico ser concluído ou não em um único momento.

A partir desse regramento o profissional da medicina é livre, dentro da sua atuação para determinar as regras de seus atendimentos, inclusive, no que tange ao direito de retorno ou não a uma consulta e em quais condições o paciente teria direito a esse benefício, cabendo exclusivamente ao médico essa concessão ou não do retorno a consulta.

Claro, há a necessidade de observar os limites impostos tanto pela mencionada Resolução quanto pelo que dispõe o próprio Código de Ética Médica e não ao que é determinado pelas instituições hospitalares ou mesmo, planos de saúde a que esteja o profissional vinculado. O profissional é livre para definir as regras de sua atividade enquanto profissional liberal que é, entretanto, o bom e velho contrato de prestação de serviços (entre paciente e prestador de serviços e/ou entre o profissional e a instituição de saúde ou plano de saúde) é o mais recomendado para deixar registrado o que inclui e o que não inclui naquele atendimento, evitando assim, reclamações futuras com ou sem fundamento diante de um atendimento prestado.

É comum que seja ofertado ao paciente uma consulta de retorno sem ônus algum quando, a partir do primeiro atendimento, o profissional identifica a necessidade de realização de exames complementares para o fechamento do diagnóstico ou mesmo para esclarecimento de algum ponto em determinado momento, seja na anamnese ou avaliação dos exames apresentados, entretanto, compreendemos ser uma faculdade do profissional e não uma obrigatoriedade.

No caso desse julgado, entendo que havendo um termo de atendimento prévio pactuado entre as partes, onde haveria o benefício de uma consulta de retorno em até 15 dias, a cobrança de fato seria indevida.

Por essa razão, a orientação que sempre oferecemos aos nossos clientes, sejam eles profissionais liberais ou instituições de saúde, é a mesma: no momento de ingresso do paciente a clínica, consultório ou qualquer outra instituição de saúde,  esclareça, comunique e registre por escrito, se terá ou não, o direito a uma consulta de retorno sem ônus. Esclarecer ao paciente e/ou responsável legal ou até mesmo ao acompanhante, a depender do caso, se haverá necessidade de retorno ou não e quando será necessário arcar com novos custos para o paciente. A simples conduta transparente e esclarecedora, poderá evitar ou no mínimo amenizar uma reclamação infundada no futuro.

É importante que essa informação esteja clara e registrada na ficha de atendimento ou prontuário médico, evitando assim, questionamentos e surpresas posteriores, como por exemplo, a necessidade de defesa ética perante ao seu Conselho Regional de Medicina ou mesmo, uma demanda judicial. Uma denúncia diante do Conselho poderá implicar em sanção disciplinar por violação ou inobservância do Código de Ética Profissional e a demanda judicial, em condenação por danos morais e a restituições dos valores pagos indevidamente.

Na dúvida, mantenha uma consultoria preventiva em sua clínica ou consultório com um profissional da sua confiança!

Fonte de inspiração para este artigo: notícia visualizada na página do TJDFT. Acesso em 20/12/2021 às 12h31. Processo n.º 0700037-25.2021.8.07.0019.

Núbia Rodrigues é especialista em Direito Médico e Proteção Jurídica à Saúde pelo Instituto Paulista de Direito Médico e da Saúde IPDMS – São Paulo (SP); pós-graduada em Direito Médico e da Saúde pela Faculdade Legale, São Paulo (SP); pós graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC MINAS, Uberlândia (MG); graduada em Direito pela Universidade Braz Cubas Mogi das Cruzes (SP) e graduada em Letras pela Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia (MG). Atualmente é Diretora Jurídica do Direito dos Médicos e Hospitais junto ao escritório Bayma e Fernandes Advogados Associados, escritório que atua em todo o Brasil e Internacionalmente, Defensora Dativa junto ao CRMDF e atuante na Defesa Médica em outros Estados da Federação e no Conselho Federal de Medicina – CFM. Atuante ainda na Defesa do Profissional da Odontologia perante ao Conselho Regional e Conselho Federal de Odontologia. É Membro Consultivo da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde junto ao Conselho Federal da OAB e Presidente do Observatório Nacional de Direito Médico e da Saúde.

Veja também